domingo, 18 de novembro de 2012

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Educação, memória e envelhecimento

O tema proposto para esta reflexão tem sido objeto de nossa prática e estudos teóricos nos últimos dez anos e parte de uma pesquisa em andamento no Grupo de Estudos da Memória. Falar sobre os temas Memória e Envelhecimento se pressupõem não só um saber já estabelecido, mas implica, também, uma abordagem subjetiva. Dizemos isto porque é muito difícil discorrer sobre estes temas sem esbarrarmos nos conteúdos emocionais que os envolvem. Acrescentar a estes dois temas complexos a Educação é um desafio que vimos tentando enfrentar.

Vale aqui alguns esclarecimentos a respeito da abordagem a que me proponho. Ao falar sobre a Memória faço, para fins didáticos, uma distinção entre memória cognitiva e memória afetiva. Ambas estão entrelaçadas e são objeto de estudos científicos profundos (em diferentes áreas do conhecimento) onde se observam todos os mecanismos de registro das memórias de curto e longo prazo, as diferentes áreas do cérebro estimuladas, as conexões possíveis entre elas e seu processamento, seu comprometimento, etc.

Um estudo constante e de longo prazo desafia os pesquisadores que sentem-se, ainda, muito longe de conclusões a respeito de tema tão complexo. Diz Izquierdo (1998:98):
Conhecer um ou todos os tijolos em detalhe, sua manufatura, composição química, dimensões precisas, posição final na construção, etc, nada nos dirá sobre a catedral (ou palácio ou caverna) a qual pertencem. Assim nos encontramos os pesquisadores da memória hoje em dia: com a química dos tijolos na mão, com os detalhes da arquitetura na mesa e com aquilo que sentimos ao entrar em Westminster ou Toledo, em Versailles ou em Schoenbrunn, ou nas cavernas de Malorca ou Minas Gerais: admiração profunda por algo que ultrapassa nossa compreensão real.
A abordagem que proponho nesta reflexão privilegia a trajetória do pesquisador/professor na construção de um saber e suas competências. Trajetória entendida aqui como percurso e vida, construído a partir das escolhas, com seus erros e acertos e, logicamente, a pratica disto resultante. É evidente que a contextualização sócio-histórica tem aí papel fundamental.

Ao se falar em análise da trajetória, fala-se, necessariamente, em memória como instrumento de resgate. E é a memória afetiva que vai ser acionada neste exercício, daí nossa preocupação na distinção feita acima. É no processo de auto-análise que me percebo e percebo o grupo no qual me insiro seja como pesquisador seja como docente, mas principalmente como indivíduo. O grupo ao qual pertenço também tem uma trajetória, com escolhas, dúvidas, angústias, questões teórico/práticas.

É neste contexto que acreditamos poder articular nossa discussão abordando os temas Educação, Memória e Envelhecimento. Este destaque para a trajetória tem como base às leituras de Pineau (2000), Fazenda (2000) e Josso (1999) que procuram valorizar as histórias de vida como base para reflexão e possibilidade de re-construção dos sujeitos pesquisados e pesquisadores. Estas propostas se esclarecem nas palavras de Josso (1999:13) quando diz: "... uma sensibilidade para a história do aprendiz e de sua relação com o conhecimento, enquanto as formações contínuas abrem-se ao reconhecimento da experiência".

Amplio esta questão já que tenho "interesse biográfico para abordar a formação do ponto de vista do sujeito aprendiz" (idem) construindo a partir daí uma relação de troca, onde os conteúdos teóricos são colocados para serem discutidos entre educador/educando procurando estabelecer uma inter relação, que vejo como fundamental na formação de um novo olhar, dentro de uma perspectiva de uma mudança de paradigma e construção de uma prática interdisciplinar, especialmente enfocando aqui o tema do Envelhecimento.

A trajetória está ligada a um projeto de vida que fica explicitada numa ação de busca do saber que se funda na teoria disciplinar, na prática já existente e se instrumentaliza na dinâmica da construção e finaliza na ação. Utilizando a metáfora do espaço psicodramático temos uma cena onde são colocados os temas a serem protagonizados. Os protagonistas são os profissionais com seus saberes disciplinares e experiências cotidianas, que se colocam à luz para "ver" (de dentro e de fora) e a partir deste olhar construir juntos um "novo" conhecimento/ saber; uma nova perspectiva para abordar as problemáticas propostas.

Este exercício não deve nos levar ao conhecimento fechado, ao saber definitivo, mas deve ser proposto como um constante devir já que ele mesmo pode ser relançado para observação, discussão, revisão. É um movimento dialético de (re)construção... Gostaríamos de esclarecer que usamos as duas noções de conhecimento e saber como proposto por Fourez (2000:3) que diz: "os conhecimentos-organizados segundo a personalidade e o corpo de cada individuo; e os saberes, que seriam conhecimentos ou as representações, socializadas, instituídas e padronizadas".

Temos tentado aplicar estas premissas metodológicas com os grupos de profissionais das áreas de saúde e educação que trabalham com idosos em várias instituições: asilos, casas de repouso, hospitais, grupos de convivência e universidades abertas. Iniciamos este trabalho em 1994 até 1996 resgatando a memória em grupos de uma universidade aberta da zona sul de São Paulo num projeto chamado Memória e Cultura. Este evoluiu para um outro projeto de Oficinas de Memória. Estes projetos tiveram um total de participação de 100 pessoas com idades que iam de 45 a 86 anos.O bom resultado deste trabalho para os idosos levou-nos a implantação de um projeto piloto, em 1997, a convite da prof. Suzana Medeiros no Núcleo de Estudos e Pesquisas do Envelhecimento (NEPE-PUC-SP).

Este grupo reuniu-se durante o ano de 1997 com encontros mensais, com oito participantes com idades entre 47 a 71 anos e grau de escolaridade variável. Esta oficina visava um trabalho direto com a comunidade, abrindo espaço para repensar o projeto de vida, analisando a trajetória e, através da memória, reconstruir a história individual e coletiva. Acreditamos que ao refletirmos sobre nossa trajetória, com o olhar atualizado de quem somos hoje, podemos preparar projetos futuros.

Dentro desta perspectiva utilizamos o conceito de memória positiva, ou seja, não a reminiscência amarga ou saudosista do "bom tempo que passou", tampouco das tristezas por "aquilo que não fiz", não realizei". Propomos uma reflexão sobre a trajetória para então pensar no que ainda posso e desejo fazer", não da mesma maneira, porque nós e nossos planos mudaram, mas de um jeito novo, partindo do agora, com clareza de novas possibilidades e a maturidade da experiência. Levar em conta os desejos, sonhos... Sempre um novo projeto.

A soma destas experiências apontou-nos para um outro caminho: a possibilidade de um projeto dirigido aos profissionais que trabalham com os indivíduos idosos e que abordasse os aspectos teóricos dos estudos da Memória com a prática de cada um, explicitada na vivência das Oficinas. Ler os textos teóricos, refletir, discutir. Fazer uma ligação com a atuação prática trazendo à discussão do grupo. Ser escutada e escutar. Repensar o sentido do trabalho/vida. Ressignificar. Escrever sobre esta experiência.

Este tem o sido o processo de trabalho como possibilidade de construir este novo olhar sobre o envelhecimento atendendo os objetivos do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Puc-SP. Nosso trabalho no projeto Oficina de Memória - Teoria e Prática, procura de uma perspectiva muldisciplinar, já que atuamos junto a profissionais de áreas diferentes, chegar por meio da prática e da ação educativa, a alcançar a interdisciplinaridade. Seguimos a proposição de Fazenda (2001:14) que pensa a interdisciplinaridade como uma ação em movimento, porém sempre contextualizada porque: "Conhecer o lugar de onde se fala é a condição fundamental para quem necessita investigar como proceder ou desenvolver uma atitude interdisciplinar na prática cotidiana".

Diz ainda:
A trilha interdisciplinar caminha do ator ao autor de uma história vivida, de uma ação conscientemente exercida a uma elaboração teórica arduamente construída. Tão importante quanto o produto de uma ação exercida é o processo e, mais que o processo, é necessário pesquisar o movimento desenhado pela ação exercida -somente com a pesquisa dos movimentos das ações exercidas poderemos delinear seus contornos e seus perfis. Explicitar o movimento das ações educacionalmente exercidas é, sobretudo, intuir-lhes o sentido da vida que as contempla, o símbolo que as nutre e conduz- para tanto torna-se indispensável dos registros das ações a ser pesquisadas(...). (idem15)
Considerando os saberes constituídos (Fourez) como a Educação, a Gerontologia e a Memória não só a partir das reflexões propostas nas disciplinas que compõe estas três esferas do saber, tentamos também colocar em contato as interfaces existentes entre elas e o conhecimento acumulado e articulado pelos profissionais das diferentes áreas que tem procurado a Oficina. Complementando voltamos a Fourez (2000:4) que fala da abordagem disciplinar que pergunta "sobre o que se trata?", mas que direciona a resposta para a disciplina enquanto a interdisciplinaridade "procura responder, tendo em vista a singularidade e especificidade, leva em consideração a situação em toda a sua complexidade (...)valoriza o ponto de vista do sujeito que deve ter conhecimento sobre o assunto".

No trabalho realizado nas Oficinas de Memória utilizamos estes pressupostos teóricos na tentativa de propor a construção de um "novo olhar" e de um saber ampliado a partir das reflexões teórico-práticas sobre o Envelhecimento usando como vetor também a memória afetiva. Sabemos das discussões a respeito dos problemas que permeiam estas questões, mas, se estivermos atentos podemos tornar a emoção e a subjetividade aliadas aos saberes disciplinares, para num espaço aberto de troca, enfrentarmos com seriedade e competência o desafio a que nos propomos

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