sexta-feira, 5 de abril de 2013

O amor tem prazo de validade... - http://valtatui-curiosidades.blogspot.com

O amor tem prazo de validade...





... Ou pode ser para sempre. Depende da arte e engenho de homens e mulheres para o cultivar. Parece que eles se acomodam mais e que elas já não estão pelos ajustes. Quando a sintonia falha, muitos vão parar ao consultório de José Gameiro, psiquiatra e autor de Até Que o Amor nos Separe.

Actualmente, é o amor que nos separa?

Penso que é, neste caso, o desamor. A maioria dos casamentos faz-se por amor, as separações também. As pessoas separam-se por sentirem que não são amadas ou porque deixam de amar. Costumo dizer que as pessoas não sabem bem porque se juntam, mas sabem muito bem porque se separam. É mais fácil identificar as razões do desamor do que as do amor. Por isso, sim, é o amor que nos separa.

O que homens e mulheres querem numa relação amorosa é mesmo diferente?

É a mesma coisa, mas com formas de exprimir diferentes. O estereótipo clássico, que penso que ainda existe mas está em mudança, é que as mulheres querem afecto e os homens sexo. Para os homens, se há sexo, está tudo bem. Para as mulheres, costuma dizer-se que o sexo começa de manhã, com a ternura e o beijo.

Os casamentos são cada vez mais contratos a prazo?

Até costumo dizer que são contratos de leasing ... É um paradoxo, porque as pessoas, quando se juntam, querem é que seja para o resto da vida, mas se a relação não for encarada como um contrato a prazo, se eu não tiver a noção de que tenho de a cultivar para que sobreviva, ela pode acabar. No México apareceu agora uma lei, polémica, que prevê um contrato a prazo de dois anos antes do casamento, ou seja, este só é válido ao fim de dois anos. Talvez possa levar a baixar o número de divórcios, mas dois anos é pouco tempo, as grandes crises do casamento não são nos primeiros anos, ainda que apareçam cada vez mais cedo. Não é por acaso que as companhias de seguro não fazem seguros de casamento.

São mais as mulheres ou os homens que quebram o contrato?

As mulheres, claramente. Tenho a ideia, um pouco feminista talvez, de que os homens têm menos jeito para isto. Não digo na fase de namoro, mas depois, com a relação já estabilizada, cultivam-na menos, acham que está tudo bem e não é preciso fazer nada. As mulheres têm mais jeito e, por outro lado, são muito mais exigentes. Quando eles começam a instalar-se em frente do televisor para ver futebol o fim-de-semana inteiro ou chegam a casa, calçam as pantufas, não fazem nada e sobretudo não cultivam a intimidade no sentido lato, não só física, está tudo estragado

E quando elas dão o grito do Ipiranga pode ser tarde de mais?

Pois, eles ficam muito aflitos sem saber o que fazer porque estava tudo mais ou menos bem e de repente elas dizem: «Isto tem de mudar!» Alguns conseguem mudar e as crises até podem ter um valor positivo porque forçam a mudança, vejo isso muito na clínica: separações que voltam atrás. Nesse caso, mudam pelo receio de perder o outro, de quem continuam a gostar, porque isto muitas vezes não tem nada que ver com falta de amor. Um homem pode gostar imenso e não perceber que as necessidades da relação estão para lá das rotinas. Costumo dizer que o casamento é uma seca. É preciso fazer alguma coisa para contrariar isso.

O Manel e a Maria, protagonistas do seu último livro, Até Que o Amor nos Separe,tinham uma boa relação, eram o amor da vida um do outro. Mesmo assim ele foi-lhe infiel e separaram-se. O que leva à infidelidade?

Esta história, completamente inventada, com excepção da morte da mãe dele, que coincidiu com a morte da minha mãe, é a história de um tipo de casal que apanho muito na clínica. Convém salvaguardar que faço clínica privada e portanto vejo casais de classe média, média alta, mas este tipo de situação acontece muito: um casal que não tem problemas especiais e de repente um deles, sem perceber bem como, envolve-se numa relação e sai de casa, porque é apanhado ou confessa - a maior parte das vezes é apanhado... Passado um tempo cai em si e se o outro aceitar voltam a namorar, muitas vezes, na clandestinidade face aos filhos porque as coisas não estão consolidadas ainda.

E é possível perdoar uma infidelidade e refazer um casamento?

As relações fora do casamento ou pegam no princípio ou o tempo joga contra elas, sobretudo quando a relação anterior era boa. O que acontece a muita gente, manéis e marias, é ao fim de algum tempo começar a ter saudades da mulher ou do marido, ou do pacote todo, e voltar atrás. O Manel e a Maria eram um casal com pouca tensão, normalmente isto passa-se com muito mais tensão, há muita raiva durante muito tempo, mas é recuperável. Aquilo de se dizer «se me fores infiel acaba-se tudo» é uma brutal treta. As pessoas dizem-no convictas, mas se continuam a gostar e o outro volta, normalmente perdoam. A crise é um momento de mudança.

A infidelidade é a principal causa das separações?

Não, essa é outra ideia feita. Falo de acordo com a minha casuística, que vale o que vale, mas não é, de longe, a principal causa de separação nem de problemas entre os casais.

É mais consequência do que causa dos problemas?

Não há uma relação de causa-efeito, mas é claro que, se o casal está mais afastado, a possibilidade de infidelidade é maior. Todos temos necessidade de intimidade e se em casa esta deixou de existir, se deixou de se conversar, de se partilhar, etc., a tendência é para começar a conversar com quem está perto, no trabalho ou noutros sítios que a pessoa frequente. Muitas vezes, é assim que começam as relações extraconjugais. Mas há muitos tipos de infidelidade.

E novos tipos...

Sim, agora há as infidelidades virtuais, que são sentidas como reais.

As novas tecnologias criam novas dimensões da infidelidade, mas também tornam mais fácil o controlo, não é?

Já vi de tudo e até já pensei escrever um livro com dois lados: de um, um manual de como ser infiel, do outro um guia de como apanhar infidelidades [ri]. Há uma coisa interessante nisto: é que, todos, quando desconfiam ou começam a sentir-se inseguros na relação, mesmo os que por princípio não o fariam, começam a controlar os telemóveis, as mensagens, os e-mails , as vias verdes, os multibancos, as facturas detalhadas de telefone... E tudo se pode fazer. Com poucos euros, pode colocar um dispositivo no telemóvel de uma pessoa e ouve-lhe as conversas todas. É assustador.

O estereótipo de que os homens são mais infiéis é verdadeiro?

É treta. Eles não são infiéis com outros homens, na maioria dos casos, nem só com solteiras e divorciadas, portanto, os números devem estar equilibrados. Mas as mulheres são menos apanhadas, apagam as mensagens e os e-mails , pagam as portagens com dinheiro. Mas, enfim, não quero estar a dar pistas...

É de ânimo leve que hoje as pessoas se separam, como muitos pensam?

Não. É mais fácil não havendo filhos, mas quando há mais tempo de relação e filhos é uma decisão muito pensada, a não ser que seja provocada por outra paixão, o que não é o mais comum. Não partilho a ideia de que as pessoas se separam por dá cá aquela palha. A ver se a gente se entende, um divórcio é muito pesado: para os miúdos e para os próprios adultos, mesmo para o que toma a decisão de separar-se. O aumento do número de divórcios não tem que ver com isso.

Então tem que ver com o quê?

O que aconteceu às mulheres nos últimos trinta anos foi decisivo. Economicamente são independentes, com a contracepção têm os filhos que querem e, por outro lado, diria que o amor existe em 99 por cento dos casamentos. Ora, o amor é um valor tangível, é quase como a bolsa. Sobe e desce e é difícil manter a cotação sempre em alta. A esperança de vida, por seu lado, também aumentou...

As pessoas têm mais tempo para tentar ser felizes?

Pois, vamos lá ver se é desta... A maioria das pessoas quer viver com alguém e acha que é nesse tipo de relação que vai encontrar a felicidade. Há o trabalho, há os amigos, há a família de origem, mas a felicidade está muito centrada na relação conjugal. Quando uma pessoa se separa, ou já encontrou ou tem ideia de que vai encontrar alguém com quem pode ter um projecto de vida novo. Quem foi preterido, depois de uma fase de luto, de tristeza e, em alguns casos, de grande desespero, tenta também refazer a sua vida. É mais complicado para as mulheres do que para os homens.

Porquê?

Fazendo um pouco de caricatura, há um mercado do amor e no mercado de usados - vou apanhar na cabeça por dizer isto - as mulheres desvalorizam, com a idade e porque têm os filhos com elas, o que se chama na gíria «os brindes». O tempo que demora a ter uma nova coabitação é diferente para homens e mulheres.

Eles, mesmo quando a decisão da separação não é sua, iniciam mais depressa uma nova relação?

Os homens têm alguma dificuldade em viver sozinhos, são um bocadinho tontos. Às vezes saem de uma casa e vão para a outra, no mesmo dia, o que é um disparate. Elas demoram mais tempo e muitas vezes até ficam sozinhas o resto da vida, tendo namorado ou namorados, mas nunca coabitando com eles. Se vir as estatísticas do número de homens que voltam a casar depois de um divórcio, é muito superior ao das mulheres.

Às vezes, o casal é pai e mãe, almoça junto, janta junto, dorme junto e está feito. Qual o papel dos filhos numa relação?

Os filhos são muito importantes e amados pelos pais, o que é um factor de união. Mas podem desunir, se estes se tornarem só pais e não criarem um espaço conjugal. Isso pode ser destrutivo para o casal. Às vezes pergunto há quanto tempo não vão jantar fora só os dois e ouço respostas do tipo cinco anos. Passaram a pai e mãe e até há os que se tratam por pai e mãe em vez de se tratar pelo nome ou por querida ou por amor ou pelo que for.

Existe, como muitos apregoam, uma crise da família?

Não, o que há é uma grande mudança no conceito. Há cada vez mais tipos de famílias: as clássicas, as reconstruídas, as monoparentais, as homossexuais, que em breve também poderão adoptar e serão famílias com crianças... O que há mais? Família é o que se quiser. Onde existe compreensão, solidariedade, companheirismo, vontade de estar junto, de partilhar intimidade, de criar filhos, de ter uma vida e projectos em comum, existe família. São todas famílias, são é diferentes umas das outras.

Quem procura terapia de casal tem vontade de salvar a relação. Qual o papel do terapeuta?

Não posso tocar no amor das pessoas, nem quero. O amor sente-se, pode estar camuflado ou ter desaparecido, mas não é trabalhável. Trabalhável é a zanga. O que faço é tentar ver, com cada um deles, o que podem mudar e o que não podem, que é igualmente importante. Na relação, temos uma parte negociável e outra não. Costumo dizer que nos casamos com cabazes de Natal, que têm champanhe e caviar à frente e sardinha e atum atrás. Temos de papar tudo. É a vida. Não gostamos da sardinha e do atum, paciência, nesse dia não comemos.

O problema é que as pessoas acham sempre que vão conseguir mudar o outro.

Pois e em substância não se consegue mudar ninguém. E há outra coisa importante: a crítica. Uma das coisas mais devastadoras numa relação é passar a vida a criticar o outro. Esta é uma questão muito trabalhada nas terapias de casal. As tensões ou rupturas com a família de origem do outro também são muito complicadas... Há falhanços na terapia de casal. Está longe dos cem por cento de sucesso.

O LIVRO

O diário de um casal, nas alegrias e nas tristezas, nas dúvidas e nas certezas, nos encontros, desencontros e reencontros, mas também na saúde e na doença, até que a morte os separe, já que o (des)amor não consegue fazê-lo. É mais ou menos esta a história da Maria e do Manel, vivida nas páginas do jornal Expresso e passada agora a livro. Em forma de diário, comentado pelo terapeuta a quem recorreram em determinado momento do seu percurso, uma história que podia ser a do leitor.

O AUTOR

Fundador da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar e doutorado em Psicologia e Saúde Mental, o psiquiatra José Gameiro, 62 anos, faz terapia de casal há trinta. Divorciado e novamente casado, foi filho de pais separados, numa altura em que era o único da escola a viver uma realidade hoje comum a muitas crianças portuguesas. Piloto amador, partilha com o Manel, personagem do seu mais recente livro, a paixão pelos aviões, que colecciona.

por Catarina Pires. Fotografia de Orlando Almeida/Global Imagens

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